Ficar velho é sinônimo de ficar triste?
Durante a formação acadêmica em psicologia clínica, desenvolvemos uma pesquisa que buscou identificar qual era a visão que o idoso tinha a respeito da própria depressão. Entre as hipóteses, questionamos se a doença tinha relação com o estilo de vida do idoso, ativo ou sedentário; se a doença poderia ser resultante do preconceito que ele sofre pela sociedade, se seria derivada do abandono pela família, entre outras.
A pesquisa foi feita por meio de entrevista semi-estruturada individual na qual o pesquisado falou livremente dentro de uma seleção de 09 perguntas. O número de 10 entrevistados foi definido por saturação dos dados. A abrangência ficou circunscrita entre idosos acima de 60 anos distribuídos em 02 grupos, o primeiro de indivíduos residentes em domicílios familiares e o segundo, de internos em um asilo da cidade de Belo Horizonte - MG.
Entre os idosos participantes foi identificado que o que contribuiu para a melhora ou cura da depressão foi a adoção de uma série de mudanças no estilo de vida a começar pelas atividades físicas e sociais. Houve também a reestruturação da individualidade através do acompanhamento psicoterapêutico e redirecionamento da energia para atividades prazerosas, inclusive envolvendo a família de modo mais intensivo. Alguns deles também utilizaram medicamentos antidepressivos como suporte no tratamento.
Os idosos também atribuíram a doença ao fato de terem se descuidado de coisas importantes da vida como um zelo maior para com a saúde, com os laços afetivos familiares, e mais atenção às escolhas e suas consequências.
Os idosos que nunca sofreram depressão atribuíram esse fato ao hábito de terem cultivado desde sempre boas relações sociais e familiares, posturas mentais e emocionais positivas diante das dificuldades, adoção de um estilo de vida saudável com alimentação equilibrada, ausência de vícios e prática de atividades físicas que lhes proporcionaram prazer e bem-estar.
Ao fazermos o cruzamento dessas informações, concluímos que a postura que cada pessoa adota diante da vida influencia em muito a leitura que ela faz de suas próprias experiências ao longo do tempo, o que também se manifesta de modo direto no funcionamento do corpo e da mente.
Cada período de transição do tempo cronológico precisa ser precedido de fortalecimento e estabilização do ego principalmente na terceira idade, fase em que vários fatores primordiais como a saúde física e mental ficam comprometidos pelo envelhecimento.
Em nossa experiência no ensino das artes para grupos da terceira idade, observamos que as experiências lúdicas proporcionadas pela manipulação das tintas, pincéis e lápis de cor, entre outros, têm o poder de contribuir para que os idosos foquem sua atenção em fontes de prazer, calma e bem-estar, retirando-o dos pensamentos ruminantes acerca do sofrimento ou das perdas físicas, neurofisiológicas e simbólicas geradas pelo envelhecimento. Ao mesmo tempo, essas atividades favorerecem o desenvolvimento de habilidades que os encantam e os fazem se sentir vivos e produtivos.
Embora já existam centros de convivência nas principais cidades brasileiras com diversos projetos voltados para a saúde do idoso, há um fator que deve ser colocado como primordial na questão, a necessidade de revermos enquanto sociedade, os nossos próprios conceitos sobre o envelhecer.
É preciso prestar mais atenção à influência que o culto histérico à beleza física e aos padrões de sucesso exercem sobre nós, os quais denunciam uma grande dose de tirania que discrimina, marginaliza e desencadeia de modo inconsciente, o desprezo, a negligência e a negação a esse estágio natural da vida.
Essa postura negligente por parte de muitos de nós é, possivelmente, a principal responsável pelas queixas de muitos idosos relacionadas a desrespeito, desamor e abandono por parte de suas famílias, algo que curiosamente não acontece nas sociedades orientais, cuja cultura reverencia e valoriza os mais velhos pela sabedoria acumulada durante os anos.
Assim, nos deparamos com uma contradição, já que todos nós nos tornaremos velhos um dia e que nada será capaz de evitar a perda da energia e da beleza física. Desse modo, seremos vítimas da nossa própria indiferença e esse é um motivo mais que suficiente para que reavaliemos as nossas posturas.
Concluo, que precisamos aprender a planejar o tempo de vida, estabelecer os objetivos a serem cumpridos, valorizar e cultivar os laços afetivos e caminhar conscientes sobre as transformações inerentes a essa etapa que coroa a vida.
Tudo isso me faz lembrar de uma frase de Aldous Huxley: “Experiência não é o que acontece com você, mas o que você faz com o que lhe acontece”. A semente para viver uma vida produtiva e chegar à velhice com saúde, alegria e tranquilidade começa a ser cultivada quando ainda somos jovens. De nada valerá o sucesso de uma vida inteira se ele não for capaz de nos possibilitar um final com dignidade.
Sugestão de leitura:
BOECHAT, N. Depressão no idoso. Aspectos clínicos. In: MONTEIRO. D. da M. R. Depressão e envelhecimento: saídas criativas. Rio de janeiro: Revinter ltda., 2002. cap.4, p.37-40.
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COSTA, J. L. R. Em Busca da (C) Idade Perdida: O Município e as Políticas Públicas Voltadas Para a População Idosa. 2002. Tese de Doutorado (Saúde Coletiva ) - FCM-UNICAMP, Campinas, São Paulo .2002.
COUTINHO, Fernando. Reflexões sobre o envelhecimento. In: MONTEIRO. D. da M. R. Depressão e envelhecimento: saídas criativas. Rio de janeiro: Revinter ltda., 2002. cap.6, p.45-49.
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NERI, A.L. Depressão e Envelhecimento – Saídas Criativas. In: MONTEIRO. D. da M. R. Depressão e envelhecimento: saídas criativas. Rio de janeiro: Revinter ltda., 2002. Cap.1, p. 01-08.
PACHECHO, J. L. Educação, Trabalho e Envelhecimento: Estudo das Histórias de Vida de Trabalhadores Assalariados e Suas Relações Com a Escola, com o Trabalho, e com os sintomas depressivos após a aposentadoria. Tese de Doutorado (Educação. Gerontologia) - UNICAMP/CAMPINAS, São Paulo.
NETO ,P. M.; PONTE, JR. Envelhecimento: desafio na transição do século. In: (Org.). Gerontologia. São Paulo: Atheneu, 1996. p.3-12.
MATTOS, A. S.; ANDRADE, A.; LUFT, C. D. B. A contribuição da atividade física no tratamento da depressão. Revista digital, Buenos Aires, v. 10, n. 79, 2004. Disponível em: <http://www.efdeportes.com >Acesso em: 05 de out. 2009.
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